Olho-te, enquanto vestes a blusa, com gestos bruscos da pressa.
"Nunca estivemos lentamente." Quase que o digo. Seguro, porque sei que vais virar rapidamente o teu rosto para mim, e com os olhos cheios de escudos vais dizer algo como, "Porque será?" ou um ríspido "Não percebi.", ou um "Ah?" magoado. E por mais que saiba que tens razão, ou que saiba perfeitamente que percebeste, ou que não tenha resposta à tua mágoa, deixo estas partículas no ar. Nesse ar que está tão pesado e tão leve. Ainda cheio de nós, impregnado do presente, sem réstia de passado ou possibilidades de futuro.
Sei que coras, enquanto lutas para vestires as calças.
Com vagar, coloco o relógio, lentamente. Saboreio este momento, meio dormente, pungente, de ainda ter a tua pele, quente, contra mim.
Ouço-te tactear rapidamente o chão, procuras o telemóvel, o casaco, a mala. Um barulho, dizes um palavrão baixinho, sei que bateste, descalça, no canto da cama.
Dou por mim a rir, um riso brando, que jorra sem eu notar.
Olhas-me na defensiva, cerras os olhos tentando ver na pouca claridade que vem, e pareces pronta para lutar ou fugir.
- Que foi? - lanças, meio crispada. meio suplicante.
Não te respondo, não consigo, não tenho nada para te dizer. Vejo o teu cabelo desalinhado, a boca inchada, e sei que quero mais um momento fugaz.
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