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Disto do merecimento, da justiça e dos caminhos

O mais complicado de viver numa sociedade em que se estimula o positivismo acima de tudo e o "vê sempre o lado positivo" é ter de aturar com um sorriso cansado as pessoas que com todas as boas intenções, tenho a certeza, porque são amigas, e não vêm a insensibilidade da coisa dizerem "há coisas piores, vive as coisas boas que tens e faz x ou y para te sentires melhor".

Não entendem que isso é apenas conversa de treta, fácil, fácil, vazio e fútil de quem está melhor. Melhor nos aspectos de terem um chão. Uma solidez qualquer. Um caminho que já começaram a forjar. Ou um caminho já meio caminhado. Qualquer coisa. Não quero falar aqui de aspectos práticos (sejam eles, casa, um contrato, um emprego, uma perspectiva sólida) porque há sempre o argumento "ah, mas já nada é definitivo". Pois eu sei. Mas no presente têm algo, a grande maioria algo concreto e já conseguiram fazer alguma coisa. Prática. Efectiva.

E olhando em volta tem pouco a ver com merecimentos, justiça ou caminhos escolhidos que foram tão bem estudados ou tão mal que deram aquele momento, se não perfeito, pelo menos que é qualquer coisa.

Lamento, mas não querendo que me passem a mão pelo pêlo, também odeio que me lancem areia para os olhos.

A vida não é justa. Eu sei. Por isso não preciso de realçar artificialmente as coisas boas da minha vida . Eu sei quais são.

A vida não tem nada a ver com mérito. Consigo dar 30 mil exemplos de sortudos sem mérito e de azarentos esforçados e inteligentes. E dos outros dois tipos também. Por isso a pancadinha das costas do "tens 3 mil qualidades, vais ver que arranjas qualquer coisa" (sendo o "qualquer coisa" um termo fantástico, mas adiante).

A vida não tem nada a ver com caminhos. Se a vida fosse feita de consequências fluídas e causa-efeito de escolhas certas e erradas o mundo era muito mais equilibrado.

Mas o mundo não é perfeito.

E juro que não estou amarga nem com um ataque de vitimização nem nada, mas o meu estoicismo às vezes rebenta e a insensibilidade  às situações alheias e a tentativa de minimização é algo que me irrita quando o fazem aos outros, por isso quando me toca na pele também. Porque nunca tive um mínimo de situação estável laboral, nem ordenados que substituíssem isso. Porque não tenho rendimentos extra, nem pais, marido ou namorado em situações fantásticas o que faça com que isto não seja um problema. porque não tenho património nem heranças. Porque não tenho nem nunca tive cunhas. Porque tudo o meu percurso académico e profissional parece não valer nada. Porque tenho quase 30 e zero estabilidade. Porque os meus sonhos (por mais inúteis, fúteis, valiosos, pequenos ou grandes que sejam)  estão enterrados antes de poderem desabrochar. Não porque tivessem hora marcada, mas porque há tempos e timings para determinadas coisas. E há momentos que não voltam. E isto não é vitimização, é sim constatação. Por isso não me lixem com o "pensa nas coisas boas que tens na vida e vais ver que as coisas mudam."
O que não se pode viver não muda.











Comentários

Lias disse…
Acabas de descrever muitos dos meus demónios, também. Tenho 29 e estou de volta a casa dos pais. A contar tostões, e sem perspectiva que as coisas mudem a curto ou mesmo médio prazo. E o que me irrita mais não é a constatação de tantos planos e sonhos que ficam pelo caminho, ou a impotência de saber que dei o melhor de mim em todos os campos e esse melhor não chegou. Nem sequer olhar em redor e ver um punhado de gente que nunca se esforçou para coisa alguma com a vida encaminhada, porque sim, a vida não é nada disso que nos passam a infância a encher os ouvidos. Não tem nada a ver com se ser um bom menino. O que me irrita, mesmo, é a condescendência. É passarem-me um atestado de estupidez ao dizerem leviandades da boca para fora, só para não deixarem no ar um silêncio incómodo. Por isso, em vez de te desejar sorte e te dizer que vai ficar tudo bem, desejo-te paciência.

Acho que me alonguei e estou a usar a tua caixa de comentários como remédio para a minha insónia também. Paciência :P
Espiral disse…
Obrigada pelas palavras.
Não é que seja bom saber que há mais pessoas nesta situação, mas sabem que sentem o mesmo que eu e que não sou assim tão horrível ajuda. =)

Também te desejo paciência e sinceramente, desejo-te cagança porque muita coisa nesta vida depende tão só dos timings.

Força*
Ana disse…
Leio-te e sinto-me impotente. Sou da mesma área que tu e quando andava na universidade tive uma "discussão" com uma professora que dizia (no alto das suas cunhas) que quem é bom acaba sempre por conseguir, na sequência de uma conversa sobre o desemprego na Psicologia. Apesar dela ser filha de outra professora que por lá andava, não assumi que ela não pudesse ter o seu mérito, pelo que a discussão nem veio por aí. O que lhe tentei explicar é que ao dizer que quem é bom consegue, está a partir do principio que quem não consegue não é bom. Um raciocínio simples e perfeitamente adequado ao facto de não vivermos num mundo de fadas em que os "maus" e os "bons" têm sempre o final merecido. 7 anos depois (ainda) não fiquei sem trabalho, apesar de serem vividos sempre na corda bamba. Não sei o que é estabilidade e já nem a procuro, só quero ter trabalho todas as semanas (eu vivo à semana). Mas isto para dizer que, por ter tido trabalho até agora, continuo a achar o mesmo e não me ponho com discursos de que quem é bom consegue. Nunca tive cunhas mas acho que tive sorte. Esforcei-me sempre, sinto que fiz um bom trabalho por onde passei mas também vi o anúncio certo na hora certa quando saí da universidade, calhou de sermos 60 a concorrer, eramos 3 para entrevista e as outras duas não apareceram por exemplo... tinham tanta pressa que só me entrevistaram a mim, fiquei e pronto. Isso permitiu-me ter uma base durante algum tempo para pensar no trabalho seguinte e por aí fora. Acho sempre que tem de haver uma conjugação de factores, porque se assim não fosse como se explicariam abéculas a estar onde não deviam e mentes como a tua a tentarem manter-se à tona por não terem oportunidades? Só desejo que o teu timing esteja para breve!
Espiral disse…
Li o que escreveste e acho fantástico conseguir ter essa consciência. Desde que acabei o curso há 5 anos também é a primeira vez que estou sem trabalho, e tenho perfeita consciência que além do esforço, da inteligência a sorte e o contexto são muito importantes.

Obrigada pelas tuas palavras e espero que tudo te corra bem e que consigas passar a viver sem ser a semana (que também deve ser um sufoco daqueles)*

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Sobre "a nossa alma a desatar"

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Voltei mesmo?

 A minha vida vai dando voltas e voltas e escrever que é parte do que sou desce nas prioridades. Despedi-me e em Maio comecei um novo desafio profissional. Menos estabilidade mas mais valorização e autonomia a vários níveis. Quero ensinar ao meu filho que não pode ter medo de correr atrás do que o pode fazer feliz, mas mais importante, não ficar onde está infeliz, pensado que os ses tem significado. Emocionalmente e profissionalmente. Ser mãe é maravilhoso. O sorriso do meu filho preenche recantos da minha alma que nem sabia que existiam. É uma banalidade, mas conto pelos dedos da mão as vezes que senti isto na vida desta maneira. Agora basta o sorriso dele todos os dias. Tornei-me uma pessoa mais confiante desde que sou mãe. Também mais empática. Melhor não sei. Mas mais focada no que é realmente importante.  Mas no entanto... escrever faz-me falta. Deixar sair o que me vai na alma, nos anos, na memória, na criatividade, no desejo incontrolável de controlar emoções, contraditório eu s